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20/02/2017

Carta a Um Editor

Prezado Editor:
Não, eu não morei nem moro na rua; nunca morei em favela ou comunidade; nunca me entupi de droga; nunca fiz programa, nem fui cafetão; nunca roubei, nem matei; nunca fui preso, nunca entrei em coma alcoólico; não sou negro, não sou transgênero, travesti, nem homossexual; não sou indígena, alienígena, nem feminista; não sou comunista, nem empresário; não sou rico, nem miserável; não sou idoso, nem sou deficiente físico; não sou corintiano, nem maloqueiro, nem sofredor; não sou petista, nem tucano; não sou youtuber, nem ex-garoto de programa; nem tenho bela bunda, nem peitos siliconados; não sofro de nenhuma doença mental séria, não tenho olhos claros, nem cabelos loiros; não sou amigo do rei, nem inimigo. Não sou pichador, nem participo de nenhum movimento social, nem invado propriedade alheia; Não arrumo desculpas para os meus fracassos.
Não sou, enfim, nada que possas usar como produto. E nem sou vaidoso a ponto de achar que ter um livro publicado pela sua editora - de preferência prefaciado por algum descolado diretor de teatro/ator/escritor que anda de uniforme camuflado e tênis sem meia na rua, e que finge que é pobre, mas é regiamente pago -, fará de mim algo que não sou.

Ah, sim, esqueci de dizer: sou escritor, mas isso pouco lhe interessa.

Atenciosamente,
Luiz Carlos Giraçol Cichetto, nome literário Barata Cichetto, São Paulo, 01/02/2017

Resposta de Um Editor: "Escreva um romance pornográfico, cheio de putaria e sacanagem e então veremos."


- Veremos!

Douglas Donin - Ainda Sobre Largar o Facebook

Douglas Donin
Ainda Sobre Largar o Facebook


Não recomendo "largar" o Facebook. Não vou excluir o perfil, vou simplesmente parar de alimentá-lo diretamente, senão em circunstâncias bem mais raras e específicas. Vou ainda divulgar coisas (principalmente o local onde vou passar a escrever, possivelmente, e preferencialmente, com amigos). Recomendo, isso sim, DIMINUIR SUA IMPORTÂNCIA. Radicalmente, de preferência. E recomendo que todos façam isso.

O fato é que o Facebook NOS PAUTA. Ele te encontra pela manhã, e te diz: "Olá, isso é o que vai te indignar hoje, isso é o que vai te mobilizar hoje, isso é o que vai te fazer compartilhar coisas hoje, e o que vai fazer você gerar mais conteúdo para mim". Ele faz isso porque sabe MUITO sobre o seu comportamento e rede. Ele usa algoritmos complexos, cada vez mais refinados, para te manter girando com uma paixão maior em torno de um campo menor de assuntos. Faz isso selecionando coisas para aparecer, e o pior, coisas para SUMIR de sua visão.

Isso faz você girar em espiral, com um raio de curva cada vez menor, em velocidade cada vez maior.

O Facebook não é o problema, o problema é o modo como o Feed do Facebook é construído para cada um. É feito para estimular essa espiral, e nisso conta com a colaboração de uma mídia que não soube lidar muito bem com sua transformação e se rendeu ao sensacionalismo. Mídia que não está interessada em ter o "melhor jornal para vender", mas que está interessada em ter a manchete que mais estimula o click, com a chamada mais apelativa. Ela quer o click. Note que o conteúdo em si é irrelevante, pois a decisão do click ocorre antes da apreciação do conteúdo. Quase sempre, a própria decisão de compartilhar ocorre antes da apreciação do conteúdo. Click, click, click. Milhares de anzóis jogados na água, a grande maioria com minhocas de mentira.

Em uma sociedade sadia temos que ter constante exposição a coisas que não queremos ver. Estamos virando crianças mimadas com esse mundinho feito por encomenda. Isso sempre existiu em algum grau, mas estamos nos aproximando perigosamente do não-diálogo.

E tem outra coisa. Nisso, nessa busca do click, quantas polêmicas falsas, quantas não-pautas, quantas guerras inventadas ajudamos a engrossar e transformar em realidade, como uma profecia auto-realizável? Alguém em sã consciência iria, no mundo real, no mundo das pessoas de carne e osso, dar ouvidos a uma estupidez como "apropriação cultural" se não fosse a máquina de potencializar conflitos do Facebook em ação? Até tentamos criar a noção de que várias desses conflitos eram pura besteira, mas parece que perdemos... de lavada.

Precisamos readquirir o hábito de visitar portais e fóruns e depender menos dessa máquina de ordenhar emoções baixas. Reddit é uma boa saída, me parece um modelo bom. Não tem formação de bolhas lá: as mesmas subreddits que um vê, outro vê. Não há uma "internet feita em alfaiataria" para cada usuário. Portais de notícias oferecem também conteúdo mais geral.

06/02/2017

Minha Vizinha Morreu!

Minha Vizinha Morreu!
Barata Cichetto
Reprodução Proibida/Direitos Autorais Registrados
 
Minha vizinha morreu! Senhora forte, doce, e dona de uma disposição ao trabalho como pouco se vê. Nordestina, o marido a abandonou por uma amante mais generosa, sexualmente falando. Ela criou os filhos praticamente só. Nunca aceitou ajuda de ninguém, sequer do governo. Vivia cantarolando a musica de Luiz Gonzaga: "Ai, dotô uma esmola a um hómi qui é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão". Ela morreu. Não fui ao velório. Muita gente foi. Era desbocada, sincera e rude com quem achava que devia ser, segundo seus critérios. Valia-se de sua personalidade. E mandava tomar no cu quem a chamasse de vitima do marido, da sociedade, e até das circunstâncias. Dizia que tinha o que tinha porque merecia. De bom e de ruim, era isso o que ela dizia. Os filhos seguiram seus caminhos. Teve vários. Alguns se tornaram pessoas. Outros apenas filhos. E outros não se tornaram nada. Morreram. Mas, minha vizinha morreu. Eu não fui no velório, não fui no enterro e sequer derramei uma lágrima. Sabia da sua história, mas ela não sabia da minha. Creio que não. Minha vizinha morreu, mas não fui eu. Muita gente morreu. Morre agora, e irá morrer dentro de um minuto, um dia... Minha vizinha morreu. Num hospital publico. Sozinha. Não era ninguém importante. Não tinha jornalistas na porta. Quem se importa, se minha vizinha morreu? E no dia em que ela morreu, outras vizinhas de outras vizinhanças também morreram. E outros vizinhos de outros vizinhos. Morrem vizinhos todos os dias. A minha morreu. Não eu! Minha vizinha morreu. Eu não. Eu não chorei por ela, e ela possivelmente não choraria por mim. Conhecíamo-nos apenas porque um dia mandamos um ao outro tomar no cu, numa discussão corriqueira. Nunca fomos amigos. Eu não tinha seu Whatsapp, nem como amiga no Facebook. Minha vizinha morreu, eu sei. Foda-se! E se fosse eu, ela diria a mesma coisa. Boa gente, essa minha vizinha.
03/02/2017

01/02/2017

A Outra


Quadro: A Leitora, Barata Cichetto
Quando nos conhecemos eu tinha cerca de quatorze anos, Ela bem mais velha. Foi paixão imediata, a primeira vista. Casamo-nos logo depois. Apenas uns dois anos de namoro. Ela não era pura, eu era virgem. Amamo-nos muito, mas eu sempre tive a impressão de que eu a amava bem mais que ela a mim. Com a passagem do tempo, fui conhecendo-a mais profundamente, e quando eu mais sabia dela, mas a amava. E ela mais me odiava. Eu não percebia. Ela me traia. E eu sabia, mas fingia que não. Eu A conheci assim, impura, malvada, promíscua, depravada, mas por horas singela e meiga. Amava todas essas qualidades e procurei me espelhar nelas para construir minha existência. Era mistér a relação. Eu não podia viver sem Ela. Era meu ar, meu sangue. Mas eu sabia que Ela viveria muito bem sem mim, independente que era. Livre que sempre foi. Ficamos casados por mais de quarenta anos. Nunca Ela me deu filhos, nem alegrias... Minha alegria era apenas tê-La, mesmo sabendo de suas maldades. Um dia, cansado, decidi me separar Dela. Já tinha ameaçado, mas nunca tivera a coragem. Ela sempre me seduzia e eu acabava na sua cama. Mas dessa vez, por eu ter me preparado para não sentir dor nessa separação, deixei-a. Definitivamente. Logo depois encontrei a Outra, com uma aparência totalmente diferente, que tinha outros amigos, mas que eu sabia que tinha todos os defeitos da Original. Atirei-me àquela paixão com o ultimo estertor de fôlego que meus velhos braços cheios de veias e cicatrizes ainda podiam. Dela não espero filhos, dela não espero nada. Não tenho mais quarenta anos para ficar casado. Nem quero. Apenas quero provar desse novo veneno.  E que a arte que me norteia, morra comigo, de cirrose ou solidão. De câncer ou tiro no coração.
29/01/2017