Barata Cichetto
Pouco a pouco, dia após dia, vou matando todos os meus sonhos, tirando-os do caminho, já que a necessidade assim o exige. Primeiro foram as pinturas, já que a censura e a falta de interesse por elas as tornou empecilho. Depois foram o programa de rádio, e a própria webradio, já que não havia interesse. A poesia se tornou mecânica, algo como tomar remédio sabendo que não fará efeito, pois a doença é fatal. Então, cercado de todos os lados por ervas daninhas, abandonei o jardim. Depois vieram as outras coisas, como ir até o portão, abrir a porta, dar a descarga, lavar a louça e tomar banho. Até a música, velha e imortal companheira deixou de me encantar. E já que era assim, deixei de cantar, e de sorrir, e até mesmo de chorar. Esqueci como se faz essas coisas, e nem tenho vontade de lembrar. Fui esquecendo de tudo, a memória ficou cada dia mais fraca, o corpo mais dolorido, e os caminhos ficaram a cada dia mais difíceis de percorrer. Cada passo se tornou um martírio. Fui, assim, aos poucos, mas não tão rápido quanto queria, matando todos os desejos, que alguns chamam de sonhos e outros de esperança. Não, esperança não tem nada a ver com isso, pois essa eu matei muito antes, nos momentos em que fui traído, esquecido, amordaçado; quando mentiram sobre mim, quando disseram que não fiz o que deveria ter feito. Que fiz o que não devia ter feito. E as portas já não me dizem nada, não as suporto. De todas as que abri, fui deixado do lado de fora. Me sinto emparedado. Não abro as cortinas, não quero ver o sol, nem a lua. Muito menos a rua. Não quero mais abrir os olhos. E assim, pouco a pouco, vou matando tudo o que tem dentro de mim, pois o que está fora, está morto há muito tempo. Agora, é só esperar o tempo acabar...
29/04/2018
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