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30/10/2012

A Volta do Filho Pródigo (“Seja Feliz!”)

A Volta do Filho Pródigo (“Seja Feliz!”)
Luiz Carlos Barata Cichetto
Vincent van Gogh, Esqueleto Fumando Um Cigarro, 1886. Óleo Sobre Tela, 32 X 24.5 cm. Museu Van Gogh

Diariamente escrevo crônicas e poemas. Compulsivamente, do mesmo jeito que fumo um cigarro atrás do outro enquanto escrevo. E nisso, há mais que um desejo de expressão, mais que um desejo de falar, há um desejo de vida. A cada escrito um pedaço da minha vida, compulsivamente vivida como quem fuma outro cigarro enquanto escreve. Mas acima disso, acima dessa compulsão pela escrita e pelos cigarros, em cada uma está explícito: "OK, eu vivi mais essa!” Como se a morte estive esperando eu terminar cada uma delas, me cobrasse a escrita e depois me dissesse: "Então, passastes no teste, vai ficando por ai!" E continuo por aqui, desafiando a morte escrevendo. Eu não a temo e acho que é por isso que ela tem me deixado em paz. 

Quanto às crônicas, imagino que cada uma delas é a última, e que sendo assim cada uma é um testamento, que será interpretado como a ultima expressão de meu desejo em vida. E imponho a cada uma delas uma condição: sigam seu caminho e tenham vida própria. E ao concluir a cada uma, olho bem em seus olhos e digo: "Vá-te em paz!", com aquele sentimento de quem se despede ou sepulta a um grande e querido amigo. 

Cada crônica, cada poesia, é a obra de uma vida e a vida de uma obra, é única e absoluta e traz consigo uma herança genética ímpar. E em todas a minha genética, embora a nenhuma eu imponha meus desejos, mas a todas a minha expectativa de vida. Elas são livres para nascerem e livres para partirem. E até para morrerem caso assim desejem. São como filhos e sendo assim não devem ser tratadas como propriedade, devem ser postas à luz do mundo para terem vida própria. 

Minha prole é minha escrita, muitas estão mortas, outras escondidas e muitas dormem pelas salas empoeiradas sem nunca serem compreendidas. Dormem em livros ou com seus bites e bytes em discos rígidos de computadores. Dormem enquanto eu fico aqui gerando outras, numa fecundação solitária e hermafrodita.

Mas seria mesmo assim a criação artística? Uma criação hermafrodita, onde o artista se auto fecunda e gera filhos sob a forma de obras artísticas? Seria, portanto, o artista um ser que se basta e, portanto, do mundo nada precisa? Seria este o motivo que faz a todos os artistas egoístas absolutos? (E não negue esse egoísmo, querido artista, pois não és aquele que deseja seu nome sempre estampado em suas obras? Que faz questão da paternidade como um pai que vê o filho alçar vôo?  Não finja socialismo, querido artista, pois no fundo não existe autenticamente arte comunitária.) E então, é assim que são geradas as obras, auto-fecundação? 

Mas a realidade é que um artista é sempre a mãe de sua obra, pois cabe a ele recolher e absorver informações e sentimentos feito espermatozóides, depois guardá-los, gestá-lo durante um tempo determinado e depois dar ao mundo a luz da sua criação. E quanto aos pais, estes podem ser muitos e cada um fornecer um espermatozóide diferente. Um fato presenciado, uma noticia de jornal, um sonho, um pensamento vago, uma saudade... Enfim, muitos são os pais de uma criação, fornecedores de espermatozóide criativo e cabe ao artista o papel materno e depois soltar a criação ao mundo para que, como qualquer ser vivo, tome seu caminho próprio. 

E sou eu, escritor compulsivo, feito uma cadela no cio, absorvendo todos os espermatozóides que encontro pelo caminho, oferecendo meu útero a todas as fecundações existentes e possíveis. Qualquer coisa. E então escrevo como quem acalenta um filho na barriga, e escrevo como quem espera esse filho crescer no ventre. E escrevo esperando o momento de dar-lhe a luz. E ao ver o texto pronto, final, embora sempre seja ainda rascunho feito a própria vida, olho para ele feito uma mãe recém parida e tenho orgulho. Dou-lhe um nome, oferece-o ao batismo pagão da Deusa das Artes e depois deixo-o livre, para que o mundo escute seus gritos, gemidos e lamentos. Deixo que o mundo o termine, deixo que o leitor, feito uma ama de leite termine de alimenta-lo. E espero que ele cresça sozinho e solto no mundo, trazendo pensamentos e provocando emoções. E tal a filhos, espero que ele tenha uma vida própria em contato com outras vidas, esperando apenas que um dia ele retorne, me dê um abraço e diga, não como um filho pródigo, mas dedicado: “Eu nunca esqueci de você”. E eu lhe direi: “Eu o amo demais para que fiques junto a mim. Vá e sejas útil ao mundo, pois foi a isso que o criei. Seja feliz!”

Um comentário:

Bell disse...

Lindo...adorei...assim como adoro você!!!