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29/10/2012

Argumentos (Ou “Welcome To My Nightmare”)


Argumentos (Ou “Welcome To My Nightmare”)
Luiz Carlos Barata Cichetto
Imagem: Autor Desconhecido. FOnte: http://sonhosdesperto.blogspot.com.br/2011/10/terra-dos-sonhos-pesadelo-02.html

Estou péssimo! Passei a noite em claro lamentando lástimas e lastimando lamentos. Remoendo iras e moendo as unhas. Pensando sobre meu pensamento. Meu pensamento não foi criado nem moldado em laboratórios bem iluminados das faculdades, não sou fruto de um experimento, nem instrumento de músicos desafinados ou de deuses desanimados. Meu pensamento foi moldado pelas esquinas tortas, pelas ruas escuras das periferias, pelos amigos incolores ou de todas as cores, pelas putas com quem passeei de mãos dadas pela Avenida São João. Meu pensamento foi moldado pelos livros que comprei e pelos que roubei em bibliotecas; pelos que li inteiros e pelos que apenas vi a capa; e até mesmo pelos que rasguei e queimei. Meu pensamento foi moldado pelo escuro dos cinemas do centro da cidade onde putas faziam boquete no banco de trás, onde bichas se prostituíam no banheiro e onde cafetões escrotos cobravam sua parte, à porrada. Meu pensamento foi formado pelos filhos que formei, pelas mulheres que pensei amar e que pensava que me amavam, pelos que me detestaram e pelos mendigos a quem nunca dei esmola. Meu pensamento foi formado pelas surras de ripa que meu pai me dava, pelos gritos histéricos de minha mãe e pelo choro egoísta de meu irmão. Meu pensamento foi formado por dor e por sonho, por odor e por merda. Pelas mulheres que comi e pelas vezes que brochei, pelas punhetas que bati em banheiros de escritório querendo comer as secretarias gostosas que chupavam os caralhos dos patrões. Meu pensamento foi formado pelos chefetes invejosos, pelos gerentes mal amados e pelos patrões egocêntricos. Por padres macumbeiros e por pastores roqueiros. Nunca aceitei o dito pelo não dito e muito menos pelo bendito. Malditos foram aqueles que citaram ditos populares. Nunca aceitei um pensamento que não fosse pensado, um documento que não fosse documentado e um gozo que não fosse gozado. Nunca aceitei como prova contra mim o testemunho de ninguém. E existe um tribunal inquisidor em cada esquina, um juiz em cada sala e um carrasco em cada quarto. Meu pensamento não é único, mas é meu e dele não abro mão. Meus argumentos são meus e eu tenho o direito de ser obtuso e opositor, obsessivo, compulsivo e transtornado. Sou um tornado, sou assim. E como disse, meu pensamento não é de laboratório, nem de faculdades, nem de salões envidraçados. Sou transparente e cristalino e tenho o direito a ser aquilo que minha consciência mandar. Conheci putas crentes e crentes putas, todas com suas tolices e seus gozos perversos. Travei lutas contra crentes, ateus e nazistas. Transei com mendigas na calçada em troco de um café com leite e com putas nas escadas apenas para meu deleite. Projetei brinquedos, analisei fórmulas e criei sistemas. Apanhei de assaltantes, de putas e de tenentes. E gargalhei até mijar nas calças, escutando histórias de dementes. Comi rabos em puteiros, peguei gonorreia  mas não morri; escrevi à máquina e com caneta tinteiro e não morri, tomei conhaque com racumim em hotéis fedorentos e não morri; ajoelhei aos pés de crentes, rastejei aos pés de lésbicas, e lambi o chão de videntes, mas também não morri. Roguei aos céus, pedi clemência, implorei milagres e paguei promessas a santos e deuses. Ressuscitei sem morrer, emergi sem afundar, e amei sem amar. Amei a poesia e depois a matei. Matei sem matar, corri sem parar, parei sem olhar. Escorri, corri... E morri sem morrer. Corri sem corrente, sem correr. Nunca aceitei a corrente, nem a linha, nem segui o curso da torrente. Fui lixo, fui bicho, escroto, de esgotos, das ruas e das camas. Das damas. Quebrei cabaços, dei abraços e me cortei em estilhaços. Explodi bombas, pisei no vidro e cortei os pés. Fiz filhos, vasectomia e plantei árvores. Fiz parto de gatos, corri de medo de ratos e caguei nos sapatos. Ouvi milhões de musicas, escrevi milhares de poesias e fodi centenas de putas. Escrevi livros, cartas de amor e receitas de bolo. Criei galinhas, cadelas e mulheres. Mas sempre preferi ser um pequeno vulcão a uma gigantesca montanha inerte. Achei o que tinham perdido e perdi o que eu tinha ganho. E entre perdas e danos, danei-me em meio ao escuro da solidão bebendo rum e acordando no meio da madrugada segurando meu par de botas onde eu tinha mijado. Fodi com vivas em cemitérios e com mortas em camas. Por noites perdi o sono, por dias perdi o sol. Perdi o ônibus, perdi meu tempo e perdi a paciência. Da sanidade perdida, me sobrou a demência. A ausência... De tudo! Mas todo crime tem seu preço a ser pago e pago agora o preço daquilo que dei de graça. Ofereci a quem achei que devia, aquilo que eu tinha de mais precioso, que era a capacidade de pensar e contestar, até mesmo o meu próprio pensamento e até mesmo o seu próprio pensamento. E hoje sinto que isso era tão correto que aqueles a quem eu dei esse pensamento, sequer lembram de onde ele veio. Como filosofia e como experimento social, eu deveria ganhar o premio Nobel, mas como homem, dotado de ego, dotado de amor próprio e até mesmo de vaidade, sinto-me perdido, prisioneiro de mim mesmo, perseguido feito o Dr. Frankenstein por sua criação e abandonado a idéias que ninguém quer mesmo escutar, mesmo que eu brade, mesmo que eu gesticule. Por fim, troquei os laboratórios iluminados das faculdades pela vivência, pelas experiências práticas, feito uma cobaia que escapa do laboratório e vai ser presa nos dentes de um predador. Sempre falei muito, gesticulei, bradei. Queria ser escutado. Corri riscos, necessários e desnecessários, incorri em erros, necessários e desnecessários. Morei em tantas casas e lembro de todas elas. Poderia ter matado mas não matei, poderia ter roubado mas não roubei. Poderia ter morrido, mas não morri. E poderia ter amado, mas... Amei. Sim! Troquei a mim mesmo por uma, depois por dois e por fim por três. Transformei rochas em flores e o luar em meu amigo, corri perigo, construí um abrigo mas acordei coberto de lama, sozinho e no escuro. Pensei bem, pensei em mim e corri o risco, mais uma vez. Contei até um, até dois e até três e saltei no escuro sabendo da escuridão, mas sem medo do escuro; saltei do alto e tomei de assalto a vida, mas nunca roubei ninguém. Mãos ao alto, disse o ditador. Então rasguei poemas, criei problemas e acabei na sarjeta, bêbado, com o chinelo na mão e um par de dentes quebrados. Nunca vi o sorriso da sorte, mas da morte escutei a gargalhada. Joguei Deus na privada e dei a descarga, fui chamado de fraco e de ditador, de tolo e aproveitador, de traído e de traidor. Mas nunca chamei a ninguém do que fui, nunca fui sem ser chamado. De nada e por nada, nem por ninguém. Nunca cobrei o que me deviam e sempre devia menos que me cobravam. E sempre paguei com correção e juros. Correção: nunca jurei mentiras nem menti de verdade. E agora, sem sono e com fome, nesta madrugada faminta, escrevo perplexo uma resposta a uma pergunta que não foi feita. Ou aceita. E percebo que foi isso, apenas isso, que formou meu pensamento. E isso é o meu mais forte, e talvez o único, argumento que eu tenho a lhe dar. E “Fui”... Fui por ter ido.. Fui por ter sido. Bem-vindas, crianças, ao meu pesadelo.

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