Luiz Carlos Barata Cichetto
Ontem, quando publiquei uma crônica com o título "O Homem de Pés de Plástico", uma amiga de rede social a quem muito estimo, colocou nos comentários uma frase sobre uma imagem que tinha visto poucos dias antes e que agora, junto com minha crônica lhe despertava sentimentos. "Vi essa imagem na Internet... Entre a compaixão e a raiva, congelei numa fuga imediata, mandei as imagens para aquele compartimento secreto que todos temos dentro de nós. Esperei que a imagem se fosse por si, até ler sua crônica... Usei suas palavras e seus sentimentos para absorver a imagem. Não sei o quanto consegui, apenas o tempo dirá, mas pelo menos, no momento, consegui trazer a tona o exato momento em que 'travei'." A imagem que Joanna Franko, minha amiga virtual, dona de uma percepção e cultura muito acima da maioria se refere, mostra um par de pés de uma pessoa negra visivelmente maltratados, com unhas sujas e veias salientes. E esses pés calçam um chinelo feito com um par de garrafas "pet" amassadas e presas com pedaços de trapos de pano. No primeiro momento tal imagem realmente nos congela, nos petrifica, dada a sua representação aparente da miséria a que muitos seres humanos são submetidos.
Mas daí, como nunca aceito as imagens como fatos, começo a me perguntar: por quê? Porque esta imagem nos choca tanto? Mas antes de tentar responder aos porquês, preciso pensar nos "como", nos "quem" e nos "onde". Como foi feita essa imagem, em que circunstâncias? Quem fez a foto, quem é o fotografo e quem é o "modelo"? E finalmente onde foi feita, em que país? Muitos dirão que esses fatores não importam, pois a imagem encerra uma verdade, traduzindo a miséria humana, a desigualdade social etc., etc.. É? Estão certos disso? Ou preciso "perguntar aos universitários"? Não poderia ter sido essa imagem produzida como uma peça publicitária de alguma companhia de refrigerantes? Ou sobre as maravilhas dos derivados de petróleo? Não poderia ter sido essa imagem feita por algum fotógrafo famoso, usando como modelo alguém também famoso e que teve seus pés maquiados para parecerem maltratados? E onde foi feita, sendo que se a resposta for “em algum país desenvolvido” muda radicalmente a interpretação. Então pensem em todas as coisas boas que esta imagem pode ter causado e proporcionado... Ao menos a quem a produziu. Não consegui encontrar a história por trás dessa foto e mesmo que a encontrasse, ela talvez não fosse verdadeira.
Mas retorno a primeira pergunta, sobre o “por que” tal imagem nos choca tanto. Primeiramente, existe uma associação imediata, que cria automaticamente na cabeça do observador uma história socialmente tocante por sua tristeza e crueldade naturais: aqueles são pés de um uma mulher negra, que mora num lixão em uma grande cidade brasileira e pega os restos da sociedade de consumo nojenta para calçar os pés maltratados por caminhadas inglórias em busca da sobrevivência. Uma humilhação da espécie humana, que nos traz lágrimas de pena e compaixão. Nos sentimos culpados mas conformados em ter as nossas "havaianas", nos sentimentos culpados, mas vamos a praia com ela. Nos sentimos culpados, ah, mas deixa pra lá que isso é apenas uma imagem na Internet. E por que essa imagem nos choca tanto, do mesmo jeito que nos choca ver a pobreza na novela da televisão, de ver daqui, de bem longe, a fome na Etiópia? Não seria porque pensamos: não sou tão pobre que precise fazer isso... Ou seja, como no velho dito popular conformista: eu reclamando de comer bananas e outro vem atrás comendo as cascas... Nos petrificamos, mas logo nos conformamos. Nos congelamos, mas logo voltamos ao normal. Até que mais uma imagem destas nos seja mostrada.
Agora, existe um outro aspecto pouco percebido, que nos coloca em outra questão também relativa ao "onde", mas não onde foi feita, mas onde é exibida, remetendo-nos também às outras perguntas sobre “quem” exibiu e “como” foi exibida. A publicidade é a arte da mentira e não está apenas restrita às salas refrigeradas das agências de propaganda, mas em todos os momentos em que existem pessoas reunidas, seja pessoalmente ou em redes sociais. É o chamado “Marketing Social”. Então, podem usar uma imagem dessas para demonstrar, por exemplo, a importância da sustentabilidade, essa coisa tão em voga atualmente. Imagine um "slogan" mais ou menos assim "Sustentabilidade: calce essa idéia!" E isso, claro, veiculado nos lugares certos, com um texto politicamente correto, contando a história de pessoas que fazer de suas vidas uma luta pela sobrevivência do planeta. E de preferência contando uma história bem triste e chorosa, mas que demonstre que indistintamente todos somos responsáveis pelo planeta. Ainda assim nos sentiríamos chocados, mas aliviados porque alguém se preocupa realmente com os destinos de todos. E poderemos comemorar isso com uma garrafa gigante de refrigerante.
As imagens afinal podem seduzir de uma forma muito mais clara mas podem também esconder verdades cruéis. Uma imagem de um homem carregando um cavalo sobre a carroça é naturalmente interpretada como sinal de apego aos animais, mas quem garante que não é uma imagem de um homem levando o cavalo que não lhe serve mais, por estar com uma pata quebrada, ao sacrifício?
Muito mais que as palavras, ditas ou escritas, atualmente é a imagem que nos consome e nos guia, nos manipula. Estamos muito preguiçosos para pensar nos contextos de uma imagem e a tomamos com o fato, construindo sobre ela uma história que nos alenta, diminui nossa dor e nos faz sorrir, mesmo que seja apenas um sorriso falso e momentâneo. As imagens sejam elas fotos estáticas divulgadas em Internet, ou em movimento como na televisão ou no cinema, nos dizem como e em que pensar, como reagir, como proceder. Nunca pensamos sobre ela, pois é oficial e publico que elas valem mais do que mil palavras. Fomos levados a acreditar que imagens não podem ser questionadas, ao contrário de palavras. Fomos condicionados a aceitar toda a verdade que encerra uma fotografia. E vivendo como vivemos, numa sociedade imediatista, egoísta, mentirosa e preguiçosa, somos tentados e instigados a não discutir uma imagem, aceitando-a como verdade absoluta. Incitados pela verdade da imagem, criamos, a verdade que queremos e que nos conforta, e nos conformamos com o que chamamos de vida. Mas esta, ao menos a nossa, não é composta apenas de imagens, mas de palavras. E palavras que não são verdades absolutas, mas pessoais, como qualquer verdade deve ser.
A imagem é ditadura, a palavra é guerrilha. A imagem é conformismo, a palavra é reação. A imagem pode valer por mil palavras, mas mil imagens podem não produzir efeitos de reação que são provocados por uma única palavra. A imagem é estática, mesmo que sob a forma de cinema que no fundo é apenas uma ilusão de ótica, mas a palavra, esta é dinâmica. A imagem é sempre ilusão, momento congelado, enquanto a palavra é real, momento revelado.
E se cada um de nós ao nos chocar, petrificar e congelar com imagens, procurássemos pensar e analisar nossos “porquês”, “ondes” e “comos”, fatalmente nos depararíamos com surpresas que nenhuma vã filosofia poderia supor. Se não nos entregássemos a ditadura da imagem, mas a guerrilha da palavra poderíamos sim, construir um mundo melhor. Por fim, não acredito nas imagens, mas nas palavras. E haja visto e haja dito, não digo o que vejo, digo o que sinto. E sinto muito se pergunto, com minhas próprias palavras, porque com as imagens te chocas enquanto com as palavras não te tocas?
3 comentários:
Ual....realmente nossa você me fez pensar realmente entre a imagem e a palavra, adorei e pode ter certeza que cada dia aprendo mais e mais com vocêe é justamente este o fato de te admirar tanto , porque realmente você é formidável em tudo que faz.
Bell
Ual....realmente nossa você me fez pensar realmente entre a imagem e a palavra, adorei e pode ter certeza que cada dia aprendo mais e mais com vocêe é justamente este o fato de te admirar tanto , porque realmente você é formidável em tudo que faz.
Bell
Esta é a "imagem" que faz de mim??? rsrsrsrsrs
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