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08/11/2012

O Dentista e o Poeta

O Dentista e o Poeta
Luiz Carlos Barata Cichetto



Quero escancarar minha boca e lhe mostrar a minha língua. Dentes podres pouco importam, o que importa são as palavras que saem da minha boca. Escancarar minha boca e lhe mostrar minhas palavras é o que importa. Sem dentes não lhe mordo. Preciso de um dentista para cuidar dos meus dentes, arrancar os podres, curar os doentes, obturar os cariados. Mas nenhum dentista é capaz de cuidar ou de obturar minhas palavras. Para arrancá-las da minha boca eu não preciso de ninguém. 

Tenho mau hálito, minha querida? Dentes estragados causam isso... E não uso daqueles cremes maravilhosos anunciados em comerciais que mostram maçãs em consultórios dentários. Nunca vi maçãs em um prato num consultório de dentista. Aliás, tenho nojo de comercial de qualquer produto dentário. Isso é uma ofensa a quem tem dentes podres como eu. Quero uma dentadura, mas não conheço nenhum político que queira comprar meu voto. Eu não troco minhas palavras por uma dentadura postiça e uma caixinha de chicletes de menta.  Minhas palavras, essas mesmas que saem da minha boca cheia de dentes podres. 

Algum político de boca cheirosa, desses que beijam crianças de bocas podres e fedem a pobre, algum desses quer comprar minhas palavras que cheiram mal, feito meu hálito?  Não, as bocas dos políticos fedem a merda, a merda da mentira e das promessas falsas, fedem ao cheiro de merda da hipocrisia, fedem a esterco de porcos. Ah, políticos de belas dentaduras postiços, mordam seus rabos em lugar de exibir esse sorriso falso em programas de televisão. Dentistas de políticos sabem muito bem usar aqueles dentifrícios maravilhosos e milagrosos que deixam os dentes branquinhos feito asa de anjo.

E não beijo na boca porque tenho nojo de meus dentes podres, mas não das palavras que saem da minha boca. E não das palavras que brotam, feito perdigotos, pelos cantos da sua boca. Tenho nojo de dentes, mas não de palavras. Não consigo morder ninguém por causa dos meus dentes, mas mordo, assim mesmo, com minhas palavras. Tem algum dentista perto da sua casa? Algum que cobre barato, porque este mês ainda não mordi ninguém e não tenho dinheiro. Dentistas são vampiros, cuidam dos dentes e nos arrancam o sangue.

Ah, minha mulher! Seu sorriso é tão belo, que falta me faz sorrir assim, do seu jeito ingênuo, do seu modo peculiar. Sorrir do seu jeito, do meu jeito de me fazer sorrir quando quero chorar. Esqueci como é, mesmo que queiras sempre me lembrar. Sou assim, pois depois que a gente aprender a morder, esquece como sorrir. E ademais, tenho dentes podres e vergonha de lhe beijar. Mas nunca deixe de sorrir para mim, mesmo que eu não lhe devolva o sorriso. Sorria para mim mesmo que eu lhe morda, pode parecer um pedido um tanto estranho e egoísta, mas sei que sua capacidade de sorrir entende minha capacidade de morder.

Eu não quero morrer antes de cuidar dos dentes. Tenho que estar com os dentes branquinhos para devolver o sorriso da morte quando ela arreganhar sua dentadura, aquela boca enorme, escancarada para mim. Eu vi a morte de perto, ela tinha bons dentes, mas um hálito horroroso. E antes que digam, não era de enxofre o seu hálito e sim de rosas. E ela sorriu para mim, escancarando seus 666 dentes de marfim. E ela gargalhou mostrando sua garganta de serpente. E ela mostrou sua língua, tão longa e tão sequiosa de prazer, quanto a língua de uma lésbica indecente.

Eu senti o hálito da morte em minha nuca, senti seu odor em minhas narinas. E posso garantir que ela não usa dentifrício, desses que clareiam os dentes e os deixam ótimos para devorar maçãs vermelhas que brotam em pratos de porcelana em comerciais de televisão... As árvores do paraíso moderno. A morte é banguela, não usa dentadura! Não morde nem assopra, apenas bafeja seu hálito nojento. E pronto. A morte não masca chicletes nem tem próteses de ouro ou obturações de marfim. Enfim, a morte também não vai ao dentista.

Eu vi a morte de perto e ela não usava roupas brancas, nem tinha um boticão. Ela não quis arrancar com anestesia, na marra, as palavras podres que saem da minha boca. Garanto que a morte também não é um dentista. Dor de dentes é uma dor de morte, mas morrer dói? Tem anestesia aí? Quero anestesia geral. O próximo paciente que diga. “Pode entrar o próximo paciente!”, gritou a morte de dentro de seu consultório ao dentista.

E eu na sala de espera, com meus dentes podres e minhas palavras fedorentas, escancaro a boca e lhe mostro a língua...

3 comentários:

Megaphone disse...

Pois postei hoje que tive de me render ao dentista ah ah ah! E foi punk, thrash, hc, under...
Boa "cusparada", Barata.

Megaphone disse...

Pois postei hoje que tive de me render ao dentista ah ah ah! E foi punk, thrash, hc, under...
Boa "cusparada", Barata.

Luiz Carlos Barata Cichetto disse...

Amigo Pinnas: achei muito engraçado quando li isso de manhã no Facebook, pois eu tinha escrito esse texto ontem e como não acredito em coincidências...