O Cigarro e a Poesia
Luiz Carlos Barata Cichetto
Muita gente reclama que eu escrevo só bandalheira, que eu reclamo demais e faço apologia ao cigarro. Faço apologia ao sexo e faço apologia a poesia. Mas ultimamente ando até um tanto calmo, nem tenho escrito tanta bandalheira, não. Elas eram muito frequentes nas minhas poesias, mas como ando poetando pouco, deixei um pouco de lado. Quanto ao cigarro foi o que sobrou de vicio, porque até mesmo meu antigo companheiro Cynar eu quase não encontro mais. Os bares ficaram sem graça sem poder fumar. Em casa eu fumo, mas nunca gostei de beber sozinho. Não tem graça beber e não ter com quem contar histórias, mentiras ou não. Os bares cheios de fumaça de cigarro, com cachaça rolando no balcão e um bando de bêbados desgraçados contando suas desgraças e cornices uns aos outros e dos outros... Não tem graça boteco sem cigarro. Falta o ar. Acendo outro agora, cigarro melhora a concentração, há estudos científicos comprovando isso. E em cada texto é quase um maço de Marlboro. Uma crônica ou uma poesia e um maço de cigarros inteiro. É o preço que eu pago por gostar de escrever e de fumar. É certo que estou ganhando um pulmão podre e possivelmente um câncer no futuro, mas gosto tanto de fumar, gosto tanto do cheiro do cigarro e do cheiro da poesia, que nem me importo de apodrecer, se ainda puder escrever e fumar. Lembro agora que, ao contrário de meus companheiros de escola primaria que colocaram na boca seus primeiros cigarros porque era assim que fazia para demonstrar que agora não eram mais crianças, eu comecei a fumar por sentir o cheiro dos cigarros sem filtro que meus avós fumavam. eu sentia vontade, sentia mesmo um desejo tenso e imenso em tragar o cigarro. Tenho amigos que fumam maconha e dizem, porra, mas com o cigarro não sente-se nada, "não dá barato". Não? Não dá a quem não sente o prazer de fumar como eu sinto. O prazer em respirar aquela fumaça, o prazer que começa no "clic" do isqueiro, na chama, no ato de acender o cigarro e vê-lo como se fosse um ser vivo brilhando no escuro. Vagalumes que se queimam, fênix que renascem no escuro. Em minhas épocas de solidão era o cigarro o meu companheiro fiel. No escuro do quarto, ele me ouvia, e como melhor amigo estava ali, do meu lado, quente e luminoso. E nos discursos e saraus, nas conversas de bar era ele que, ao ocupar minha mão não me fazia sentir embaraçado em não saber onde coloca-la. Mas agora não existem mais saraus ou são eles tão acépticos que nem a poesia sobre o cigarro eu posso declamar. No bar é proibido, assim como nas salas de esperas de cinema, e nos próprios filmes onde os atores também são proibidos de fumar. Que graça tem um cowboy que não fuma Marlboro, um guerrilheiro que não fuma charutos cubanos, um comedor canalha que não acende seu cigarro com o olhar sorrateiro nos peitos da gostosona? E que graça tem a gostosona que não tira os olhos dos nossos olhos do outro lado da tela, sem estar ter seu cigarro numa piteira enorme e fálica nos lábios? Não vou mais ao cinema, sem cigarro não tem graça. E nem no boteco. Aliás, prefiro mesmo é ficar aqui sentado, escrevendo um monte de bobagem e sem ter o que falar, acendo um cigarro e fico olhando o cursor piscando. E decido então falar sobre o cigarro. Faria uma poesia se ainda a poesia não fosse tão proibida quanto o cigarro. Não porque exista uma lei proibindo a poesia, mas ela também não faz mais parte do cinema, dos botecos e dos teatros. E do mesmo jeito que o cigarro, perdeu seu lugar a vícios mais lucrativos, como a acéptica hipocrisia, por exemplo. E deixem-me morrer em paz, não preciso de seus conselhos, nem do seu consolo, nem de seus remédios Então deixa eu escrever minha poesia e acender outro Marlboro. De maço. Vermelho!.
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Cigarro
Barata Cichetto
Do Livro "Cohena Vive!" - 2012
Eu, que fui testemunha de muitas mortes e muita luta
Sou agora da minha própria sorte testemunha absoluta
Não estou deitado num leito de hospital, sentenciado
Ou condenado e o indulto esperando ser beneficiado.
Testemunho a minha própria morte ao espelho mirar
Diariamente ela, ali, olhando no fundo do meu olhar
Colocando sua mão sobre meu ombro, beijando meu rosto
Testemunho seu reflexo, pois sou eu a morte a contragosto.
Não tenho crenças que aplaquem a dor do meu próprio luto
Sofro então das descrenças e das certezas do nada absoluto
Sinto meu corpo apodrecer numa decadência piedosa e terna
Dia a dia testemunho meu fim na indecência da morte eterna.
Eu, que fui testemunha ocular de nascimentos e dores de parto
Sinto agora nublar minhas vistas, escuro dentro do meu quarto
Um outro cigarro que morre entre meus magros dedos, esfumaça
E me faz pensar que tudo acaba igual ao meu cigarro, em fumaça.
7 comentários:
Eu era ainda um menino. Uma vizinha tinha um namorado que costumava segurar na boca um cigarro Hilton, de uma maneira que eu achava aquilo muito chique, algo como os galãs dos filmes americanos faziam. Quando eu crescesse, o meu sonho era fazer igual, menos ter uma namorada tão feia quanto a que ele tinha. Mas o tempo passou, e a vontade de fumar, também. E não foi por falta de tentativa, embora tenha me tornado um fumante passivo por vários anos. Hilton, Hollywood, Carlton, Gaivota, John Player, Advance, Marlboro, enfim, "provei" todos. Os anos 80 ainda não eram tão politicamente corretos. Nem tão naturebas.
Entendo perfeitamente o seu gosto por cigarros, e jamais o censuraria por isso, afinal, qualquer pessoa tem algum vício em que se escorar. Mas uma coisa é certa: o cigarro está presente nos milhares de discos, livros, filmes, peças de teatro e todas as demais formas de expressão feitas pelo homem, desde que cigarro é cigarro. Até mesmo gênios (ou nem tanto; ou menos que isso), quando encarcerados, se valiam dele para aliviar a barra -- qualquer barra. O cigarro valia ouro ou uma vida.
O cigarro foi elevado à condição de pária. Não cabe aqui discutir seus malefícios à saúde, tampouco condenar quem, como você, faz uso consciente dele. Fumar ou não, ainda é um exercício de liberdade, de rebeldia até, ainda que restrita a poucos lugares.
Cigarro e hipocrisia antitabagista caminham juntas. Robert Johnson, o lendário bluesman, só tem duas ou três fotos conhecidas. Em uma delas ele está com um cigarro na boca. O correio norte-americano lançou há alguns um selo baseado na tal foto que mostrava o autor de Crossroads, sem o cigarro.
Nestes tempos politicamente corretos, em que nem o vilões da TV e do cinema não fumam, penso que a fumaça de um Marlboro ainda dê vazão a ideias e pensamentos logo impressos numa folha de papel, ou transformadas em música, como tem sido desde sempre e com o cinzeiro perto.
Parabéns pelo texto.
Eu era ainda um menino. Uma vizinha tinha um namorado que costumava segurar na boca um cigarro Hilton, de uma maneira que eu achava aquilo muito chique, algo como os galãs dos filmes americanos faziam. Quando eu crescesse, o meu sonho era fazer igual, menos ter uma namorada tão feia quanto a que ele tinha. Mas o tempo passou, e a vontade de fumar, também. E não foi por falta de tentativa, embora tenha me tornado um fumante passivo por vários anos. Hilton, Hollywood, Carlton, Gaivota, John Player, Advance, Marlboro, enfim, "provei" todos. Os anos 80 ainda não eram tão politicamente corretos. Nem tão naturebas.
Entendo perfeitamente o seu gosto por cigarros, e jamais o censuraria por isso, afinal, qualquer pessoa tem algum vício em que se escorar. Mas uma coisa é certa: o cigarro está presente nos milhares de discos, livros, filmes, peças de teatro e todas as demais formas de expressão feitas pelo homem, desde que cigarro é cigarro. Até mesmo gênios (ou nem tanto; ou menos que isso), quando encarcerados, se valiam dele para aliviar a barra -- qualquer barra. O cigarro valia ouro ou uma vida.
O cigarro foi elevado à condição de pária. Não cabe aqui discutir seus malefícios à saúde, tampouco condenar quem, como você, faz uso consciente dele. Fumar ou não, ainda é um exercício de liberdade, de rebeldia até, ainda que restrita a poucos lugares.
Cigarro e hipocrisia antitabagista caminham juntas. Robert Johnson, o lendário bluesman, só tem duas ou três fotos conhecidas. Em uma delas ele está com um cigarro na boca. O correio norte-americano lançou há alguns um selo baseado na tal foto que mostrava o autor de Crossroads, sem o cigarro.
Nestes tempos politicamente corretos, em que nem o vilões da TV e do cinema não fumam, penso que a fumaça de um Marlboro ainda dê vazão a ideias e pensamentos logo impressos numa folha de papel, ou transformadas em música, como tem sido desde sempre e com o cinzeiro perto.
Parabéns pelo texto.
Genecy, como sempre suas colocações são claras e objetivas, opinião sincera e sensata. Quanto ao assunto em si, claro que jamais eu faria apologia ao cigarro, nem seria ingenuo em não saber dos malefícios à saude, mas o que não entra na minha cabeça é porque o cigarro acabou se tornando o vilão numero um quando a outros muito mais vilões. Fala-se do fumante passivo, mas não do "alcoolatra passivo". O alcool é responsavel com certeza por mais mortes e não só dos que fazem uso dele, mas pelos ocasionados por "acidentes" de transito e provocados pelos seus efeitos. Mas o comércio é livre à essa industria, a propaganda é livre na midia. Então fico perguntando: o que há por trás disso? Decerto não é apenas a hipocrisia, mas talvez algo muito mais poderoso. O que ataco é justamente, aliás quem sido o mote da maior parte do que tenho escrito, é essa avalanche burra e devastadora do Politicamente Correto. Grande abraço e mais uma vez obrigado pelos comentários. São sempre extremamente bem-vindos.
Barata, o meu comentário alude basicamente à liberdade de escolha, inclusive o de fumar. A apologia ao fumo nem me veio à cabeça. Que ele é um elemento danoso à saúde, isso é público e notório. No entanto, o fumo é o bode expiatório da vez, embora os governos abarrotem seus cofres com os impostos arrecadados com sua comercialização.
Vi no seu texto o gancho para associar a fumaça do cigarro como coadjuvante na criação de obras fantásticas, que não são poucas. Acho muito oportuno o seu combate à "doutrina" do Politicamente Correto. Taí um vício que dá origem a muitos outros vícios.
Continue escrevendo. Leio e comento quando possível.
Abraço.
Barata, o meu comentário alude basicamente à liberdade de escolha, inclusive o de fumar. A apologia ao fumo nem me veio à cabeça. Que ele é um elemento danoso à saúde, isso é público e notório. No entanto, o fumo é o bode expiatório da vez, embora os governos abarrotem seus cofres com os impostos arrecadados com sua comercialização.
Vi no seu texto o gancho para associar a fumaça do cigarro como coadjuvante na criação de obras fantásticas, que não são poucas. Acho muito oportuno o seu combate à "doutrina" do Politicamente Correto. Taí um vício que dá origem a muitos outros vícios.
Continue escrevendo. Leio e comento quando possível.
Abraço.
Correto,Genecy. A minha colocação com relação à apologia foi apenas para afastar aqueles que a possam entender nas entrelinhas tanto do meu texto quanto de seu comentário. A questão que aventas bem, com relação às fortunas que os governos arrecadam com imposto advindos do cigarro eu já havia tratado em outro artigo, por isso achei por bem deixar de fora neste. E o gancho foi mesmo esse, de ser ele um coadjuvante na criação de muitas coisas. Até mesmo não apenas assim, mas em muitos momentos como personagem principal, como em inumeras obras, tanto na poesia, na pintura, na musica, etc.. Grande abraço!
Correto,Genecy. A minha colocação com relação à apologia foi apenas para afastar aqueles que a possam entender nas entrelinhas tanto do meu texto quanto de seu comentário. A questão que aventas bem, com relação às fortunas que os governos arrecadam com imposto advindos do cigarro eu já havia tratado em outro artigo, por isso achei por bem deixar de fora neste. E o gancho foi mesmo esse, de ser ele um coadjuvante na criação de muitas coisas. Até mesmo não apenas assim, mas em muitos momentos como personagem principal, como em inumeras obras, tanto na poesia, na pintura, na musica, etc.. Grande abraço!
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