O CONTEÚDO DESTE BLOG É ESPELHADO DO BLOG BARATA CICHETTO. O CONTEÚDO FOI RESTAURADO EM 01/09/2019, SENDO PERDIDAS TODAS AS VISUALIZAÇÕES DESDE 2011.
Plágio é Crime: Todos os Textos Publicados, Exceto Quando Indicados, São de Autoria de Luiz Carlos Cichetto, e Têm Direitos Autorais Registrados no E.D.A. (Escritório de Direitos Autorais) - Reprodução Proibida!


12/11/2012

2058


2058
Luiz Carlos Barata Cichetto

Estamos em 2058, ano em que eu completaria 100 anos, juntamente com Madonna, Michael Jackson, Bruce Dickinson, Cazuza e Tim Burton. Alguém ainda lembra deles? Acredito que sim, pois foram grandes astros "pop". Quanto a mim, não acredito que alguém conheça algo a respeito, afinal, não fui ninguém importante, apenas um escritor e poeta, se é que ainda sabes o valor que tem alguém assim, o que não acredito, pois já na minha época esses valores deixaram de ser reconhecidos, o valor das letras e dos livros foram minimizados gradualmente com a intenção de transformar os seres humanos apenas em consumidores, sem capacidade de raciocínio próprios.

De fato, nestes anos em que passamos da metade do Século XXI,  os livros de ficção de minha época se tornaram realidade, as distopias também, embora as utopias ainda continuem a ser o que sempre foram. Aliás, as histórias de ficção cientifica se tornaram realidades, mas os livros há tempos não existem mais, pois sua matéria prima foi extinta. A mesma sorte, acredito, não tiveram trabalhos de pensadores e filósofos dos séculos passados, pois acusados de preconceituosos e politicamente incorretos foram todos banidos, numa onda perversa de perseguições ao pensamento ativo e livre, em prol da neutralidade, ainda na segunda década do Século.. Então é possível que quem esteja lendo minhas palavras neste momento o esteja fazendo em alguma catacumba subterrânea, às escondidas.

Aliás, lendo... De que forma estás tendo contato com esse meu pensamento? Pergunto porque sei que há tempos as pessoas não escrevem mais e não lêem mais. Desde ainda minha época que se descobriu uma forma preguiçosa e vaidosa de se expor as coisas, por intermédio de imagens e vídeos. Desde a minha época que as pessoas já perderam a capacidade de colocar suas idéias em palavras escritas. Então imagino que estejas assistindo a alguma holografia projetada à sua frente ou mesmo dentro de seu cérebro através de chips implantados. E ainda pergunto, porque alguém estaria tomando conhecimento de meu pensamento ainda nesta época? E fico aqui imaginando qual é o cenário ao seu redor, o que existe. Ainda existem carros que andam sobre rodas, fazem barulho e fumaça? Como são as casas e os prédios? Como são as pessoas e suas roupas e hábitos? Fico imaginando em que contexto estás lendo. E fico imaginando que deves ser algum descendente, um bisneto talvez, pois meus filhos estarão velhos demais para se interessar pela minha lembrança quando mesmo outrora eram jovens demais para se importar com ela. E pouco importa como meu nome chegou até aí, e de que forma, pois se estás lendo é porque chegou...

Mas o que reside em minha cabeça, no momento em que escrevo estas palavras, digitando-as manualmente (era assim, um teclado com letras as quais a gente apertava com as pontas dos dedos uma a uma e num monitor elas apareciam formando palavras e frases, algo rudimentar ao que talvez já tenha visto em algum museu holográfico), é saber o que foi feito não da forma como essas palavras lhe chegam, se na tal imagem holográfica projetada em seu cérebro ou algo semelhante, mas o que foi feito delas em si. Ainda existe a literatura, ainda existe a poesia? Alguma forma delas ainda deve existir pois se estás lendo isso é porque ainda, mesmo que nos subterrâneos ainda existem. Mas quero saber se ainda existem como arte... Aliás, me preocupa mais ainda em saber: ainda existem Arte e Artistas?

E caso não saiba responder a minha pergunta, pois provavelmente esses conceitos em sua mente tenham sido totalmente subvertidos ou mudados de significado, quero colocar uma frase que li há poucos dias, em 2012, do empresário, ator e escritor americano David Ackert, que, com exceção de duas palavras, por questões "de foro intimo" não concordo ("de Deus"), retrata o que é e o que pensa e sente um artista. A eliminação das duas palavras citadas não modifica em nada o sentido do texto original.
"Os artistas são as pessoas mais motivadas e corajosas sobre a face da terra. Lidam com mais rejeição num ano do que a maioria das pessoas encara durante toda uma vida. Todos os dias, artistas enfrentam o desafio financeiro de viver um estilo de vida independente, o desrespeito de pessoas que acham que eles deviam ter um emprego a sério e o seu próprio medo de nunca mais ter trabalho. Todos os dias, têm de ignorar a possibilidade de que a visão à qual têm dedicado suas vidas seja apenas um sonho. Com cada obra ou papel, empurram os seus limites, emocionais e físicos, arriscando a crítica e o julgamento, muitos deles a ver outras pessoas da sua idade a alcançar os marcos previsíveis da vida normal - o carro, a família, a casa, o pé-de-meia. Por quê? Porque os artistas estão dispostos a dar a sua vida inteira por um momento - para que aquele verso, aquele riso, aquele gesto, agite a alma do público. Artistas são seres que provaram o néctar da vida naquele momento de cristal quando derramaram o seu espírito criativo e tocaram no coração do outro. Nesse instante, eles estão mais próximos da magia, de Deus e da perfeição do que qualquer um poderia estar. E nos seus corações, sabem que dedicar-se a esse momento vale mil vidas.
Aliás, falando em Deus, queria saber se ainda existe esse conceito de Deus em 2058, se as pessoas ainda exploram as outras usando Deus como desculpa e as religiões como meio. Ainda existem?  Não sei o lhe contam na escola nas aulas de História (ainda existem escolas, aulas? Ainda se estuda a história? Mas nos séculos passados as religiões foram responsáveis por muitas mortes violentas de seres humanos... Morte violenta? É essa aí que um dia na face da Terra já foi considerada exceção, motivo de consternação e indignação, mas que ainda em minha época se tornou coisa corriqueira, motivo de grande audiência de programas de televisão. Então fico imaginando como tratam da morte e da violência em 2058.

Possivelmente nem tinhas nascido - o que é nascer, agora em 2058? - quando eu morri e meu corpo se desfez em cinzas - se é que cumpriram meu ultimo desejo de ser cremado - e possivelmente nunca ouvistes falar de mim. Porque haveria de? Afinal, minha família chorou um pouco - ainda existe isso? - uns dois anos mais ou menos, no principio quase que diariamente, mas depois foi chorando menos e menos e em um ano depois quase ninguém mais chorava, e em três ninguém mais lembrava. então fico pensando porque alguém como você estaria lendo isto. De fato, foi meu desejo que tudo o que escrevi fosse apagado, deletado, incinerado, mas como muitas coisas estavam numa rede de computadores, a maior parte saiu do meu controle e aindou guardada em arquivos digitais. Foi bom até que tenha acontecido isso, caso contrário eu não estaria falando contigo, daqui do distante 2012, quando ainda tenho "apenas" 54 anos e uma boa saúde apesar dos dois maços de cigarros que fumo por dia.

Ah, agora lhe peguei: cigarros? Não sabe o que são, estou certo! Cigarros eram tubos de papel cheios de fumo picado, extraído das folhas de uma planta - deduzo que ainda existam plantas, ou que ao menos saibas o que são -, que as pessoas acendiam, colocavam boca e tragavam a fumaça. Não fazia muito sentido, a gente sabia, e não se sentia absolutamente nenhuma sensação, mas foi um hábito cultivado desde tempos imemoriais e em determinados momentos foi considerado símbolo de prestigio, de refinamento social. Mas num determinado momento passou a ser tratado como inimigo e seus usuários passassem de refinados à bandidos. Realmente nunca entendi isso, pois se o cigarro causava males e doenças, era apenas os usuários, e existiam as bebidas alcoólicas que causavam mortes violentas (aquelas que citei acima) que causavam entorpecimento e perda de sentidos. E do jeito que a perseguição aos tais fumantes se intensificou, não duvido que seus usuários tenham sido internados e efetivamente mortos, afinal segundo o conceito dos governantes, iriam morrer mesmo... E para lhe deixar bem curioso, enquanto escrevo este texto, fumo meu delicioso cigarro.

2058... Como são feitos os calendários, os relógios, enfim como são construídos e marcado o tempo agora? O dia ainda tem 24 horas? Os meses ainda oscilam entre 28 e 31 dias? Os anos em 365 ou 366? Sim, pergunto isso, pois é bem possível que, por algum interesse político ou mercadológico tenha alterado a marcação do tempo. E por falar em datas e tempo também imagino que idade você tem. Criança, jovem, adulto ou velho? Ah, mas isso também depende do que são considerados esses conceitos em 2058. Até o final do século XX, crianças tinham até 12 anos e brincavam de coisas inocentes como amarelinha, pique-esconde, essas coisas - não, não vou lhe explicar o que são essas brincadeiras, pois jamais irás entender -, jovens tinham de 13 a uns 20 anos e começavam a despertar para o sexo, numa espécie de preparação para a vida adulta; adultos tinham mais de 20 anos e ai sim, tinham plena vida sexual, trabalhavam, construíam família - família?, vai dizer que não sabe o que é? - produziam bens como casas, carros e outras coisas. E depois chegava a velhice onde as pessoas eram respeitadas por sua sabedoria acumulada e premiadas pela dedicação a filhos. E assim, se dedicavam às novas gerações, os netos, filhos dos filhos, até morrerem.  Mas depois esses próprios conceitos e idades foram perdendo o sentido e começaram a misturar tudo, com crianças fazendo sexo, adultos brincando, velhos trabalhando, enfim, nao apenas mudaram a forma de marcar o tempo, mas os proprios conceitos que delimitavam das idades. Ainda é assim, agora em 2058?

Estamos em 2058... E há uns três anos se comemorou 100 anos de Rock... Ah, se me falar não sabe o que é isso... Mas, de toda forma se o Rock não sobreviveu até ai, até 100 anos de idade,  ou ter sobrevivido com outro conceito, vou tentar explicar o que era isso. O que era Rock, também conhecido por Rock and Roll:

Por volta de 1955, alguns negros (aliás, eu nem sei se posso escrever essa palavra sem correr o risco de não ser entendido, pois creio que na sua época ela não deve mais fazer parte de nenhum dicionário, pois a hipocrisia politicamente correta ainda nos dias de hoje já ameaça até isso. Aliás eu nem sei se ainda vão existir dicionários, porque perderam também a utilidade mesmo agora)  americanos pegaram outros ritmos originalmente também... (ah, como falar?), como o Blues e o Jazz e botaram um ritmo mais rápido e dai lançaram uma coisa chamada inicialmente  de "Rock'n'Roll". E foi uma febre, coma pessoas dançando e cantando em algo muito rápido e contagiante. Era uma época de mudanças sociais profundas, pois apenas há 10 anos havia terminado uma guerra horrenda, que matou milhões de pessoas pelo mundo afora e aquele novo ritmo, da América (aliás, ainda existe o Estados Unidos da América em 2058? Ou o mundo inteiro se chama América? Apesar de achar mais provável, pelo andar das coisas, que o planeta seja conhecido como Republica Universal da China) partiu para outros continentes, como a Europa (se é também que ainda existe Europa, pois atualmente ela afunda rapidamente) e até mesmo o Japão (ainda...?).

Mas o Rock depois que chegou a tal Europa tomou outros ares, ares mais aristocráticos se tornando não apenas o ritmo mais popular no mundo como chegou até mesmo a ser comparado com Jesus Cristo (ainda falam nele? Acredito que sim, pois a ditadura Cristã é uma das mais eficientes que já existiram). A ele, ao Rock não a Jesus, se juntaram pessoas de todas as partes do mundo, independente de religião, posição política ou social. Criaram um modo de vida próprio, sistemas sociais próprios e assim, muita gente achou que em breve ele, o Rock não Jesus, dominaria o mundo. Ele, o Rock não... dizia "não" a todos dogmas e conceitos antigos e aquela musica deixou de ser apenas musica e se tornou um movimento ecumênico e apartidário, um movimento social forte, embora musicalmente fosse de fato um amálgama de cultura mundial, misturando influências musicas tão diversas quanto musica folclórica e musica erudita. Era a consumação de Eros, Bacos e de todas as deidades, o panteísmo sonhado, o sonho social perfeito. Mas algo deve ter dado errado, pois cerca de cinquenta anos depois, com a velhice e a morte dos criadores e pioneiros, o Rock foi enfraquecendo, cedendo espaço a culturas menos nobres, mas que atendiam os interesses dos poderosos. Os lideres que não morreram, com a ansia de dinheiro e poder perderam a aura e então ao Rock sobrou apenas o fato de ser o flagelo de si mesmo. 

Não demorou desde que nasceu, e o tal de Rock'n'Roll chegou também no Brasil (ainda existe esse país em algum mapa? Não creio, pois nestes dias que correm essa terra afunda também num mar de corrupção e violência nunca antes imaginado na história das nações, e nenhuma povo sobrevive a isso) e depois de alguma resistência também se implantou. De inicio à resistência aos estrangeirismos, depois aos novos costumes e padrões morais e sociais que ele trazia assustaram os mais conservadores. Mas, mesmo assim ele se fincou e durante um bom  tempo também se transformou em hino de grande parte das pessoas que buscavam uma linguagem jovem. Mas era certo de que não sobreviveria por muito tempo, pois ele fora nascido e  criado para exigir cultura e inteligência, coisas que pelas tais terras não eram muito comuns. E no Brasil ele morreu muito antes de mim, morreu muito antes.

Mas agora cumpre-me deixar escrita esta conversa, com a esperança de ser lida, de alguma forma, no ano de 2058. Peço educadamente desculpas (ainda se usa isso? Desculpas, por favor, muito obrigado, com licença? Não creio, mas como fui educado a agir com respeito - sabe o que é isso? - com relação a todas as pessoas), por lhe mostrar tantas coisas que talvez não conheças, falar de coisas a sua pessoa podem parecer idiotices, bobagens de eras passadas, coisas antiquadas, tolices enfim. E apenas esperar que sua geração, aparte toda tecnologia que possam estar usando, ainda seja capaz de compreender e sentir coisas como a arte, e principalmente o sentimento, pois sem eles, se estas coisas não sobreviveram temo estar lido neste momento por um robô construído de chips e plástico, e que não é capaz de entender uma palavra daquilo que escrevo, em 2058... Em 2012...??? - 9/10/2012

3 comentários:

Denise Ávila - poetisa do cotidiano disse...

Texto absolutamente realista e, como tal, contundente.
Perfeito, Barata Cichetto.
Parabéns!

Denise Ávila - poetisa do cotidiano disse...

Texto absolutamente realista e, como tal, contundente.
Perfeito, Barata Cichetto.
Parabéns!

Luiz Carlos Barata Cichetto disse...

Grato, querida Poeta Denise Ávila!