O Homem dos Pés de Plástico
Luiz Carlos Barata Cichetto
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Man Walking in the Rain - Alberto Giacometti
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Caminhei com meus pés de plástico por estradas rudes em direção ao tempo corrente, feito água da torneira, quente na chaleira. Meus pés estão derretendo e inchados feito a cabeça de um poeta. Tempo corrente, água corrente e torrente de lavas derretendo meus pés de plástico e o destino que dói feito o intestino. Cólicas de destino, não de intestino. Qual a direção do vento que sopra, do vento que sobra? Meus cabelos indicam o norte, minha cabeça indica a morte. Quero estar sozinho agora, hora em diante, de acordo com o adiantado das horas. De que adianta estar adiantado, quando a vida está atrasada? Estou cansado e meus pés de plástico que são empurrados por minhas pernas de chumbo agora doem. Estão gastos e eu não gasto mais um tostão em sapatos. Ando descalço, que meus pés são de plástico. Duro. Rígido. Porque o caminho duro exige pés rígidos. E se não fossem meus pés de plástico eu não conseguiria mais andar nem um metro, nem mais um passo eu daria. Mas ainda assim dou meus passos, esparsos, compassos bêbados traçados com meus pés de plástico. Onde estou indo, pergunta o homem com pés de aço. A nenhum lugar, respondo com minha língua de metal. Ou a todos eles ao mesmo tempo, ainda completo. E respondo isso porque segundo Kafka, o que me importa são meus pés, e não o lugar onde piso. Mas não piso em nenhum lugar e o que importa não são os pés, mas as pernas que o carregam. E as minhas estão doloridas. Pesadas. De onde foi que eu cheguei? Para onde estou indo? Tenho as perguntas que todos têm, mas não procuro as respostas nem os caminhos, o que importa é que tenho pés de plástico e que me levam a algum lugar. Talvez a Praga, talvez ao Hemisfério Norte com suas putas encapotadas. Talvez ao Sul, das lépidas senhoras de loiros cabelos caindo na testa. Talvez a lugar nenhum, enfim. Porque não quero estar em lugar nenhum, porque em todos eles eu não fico. Bem. Ontem furou o ultimo par de sapatos e eles eram de couro. Odeio sapatos de plástico, pois já tenho pés de plástico. Minhas unhas são garras afiadas que cortam o arame, que cortam sua pele, minha querida. Não reclame do cheiro dos meus pés, porque ando muito e meus pés escorregam nas calçadas de cimento. Eu queria ter pés de cimento, pés de concreto, mas eles são mesmo feitos de plástico. Tem uma placa no caminho? Qual a direção que ela mostra? As placas não mostram caminhos, apenas direções. E eu, realmente não sei a que direção me carregam meus pés de plástico e minha cabeça sem coração. Não consigo ir muito longe! Mas, também como disse um dia um certo escritor, "eu escrevo diferente do que falo de modo diferente do que escrevo", não sou Kafka, sou Barata e não sei onde andam minhas pernas, quem sabe na Primavera, de Praga, eu possa caminhar entre as flores, porque entre as dores já estou cansado. É sim diferente o escrever do falar e se não falo como escrevo é porque a garganta arde de tanto respirar. Acabou a festa, e o que resta é o que não presta. Empresta um trocado? Preciso casar... Empresta seus pés de cimento que os meus são de plástico? Empresta? Tenho dedos das mãos doloridos de tanto escrever. Então, deixo agora contigo apenas estas linhas, digitadas em papel intocável e indelével. Invisível. E fui jantar que não sou de ferro. Nem de plástico!
2 comentários:
Adorei....queria explicar o que senti ao ler ,mas confesso não consegui ,a não ser dizer que meus pés também é parte fundamental de meu corpo ele é assim como o seu um alicerce....Bell
O que importa é que sentiu, não atenha-se a explicar seus sentimentos. E ademais, são nossos os pés que juntos estão nos carregando a um caminho novo. Sempre!
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