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11/11/2012

Poesia Não Se Vende! Poesia, Não Se Vende! Poesia Não, Se Vende!


Poesia Não Se Vende! Poesia, Não Se Vende! Poesia Não, Se Vende!
Luiz Carlos Barata Cichetto

Dias atrás, caminhando pelo centro da cidade fui abordado por um poeta. Cabeludo, barbudo, com uma aparência um tanto desleixada, como aliás bem convém a um poeta mambembe, embora exibisse um largo sorriso que deixava a mostra dentes perfeitos. Estrategicamente bem próximo a Galeria Olido, que concentra algumas atividades culturais. O tal poeta me abordou e sem nem olá nem oi, foi logo falando: "Estou vendendo meus livrinhos de poesia. Cinco reais cada um." Quando dei por mim estava com o tal livrinho na mão, todo amarfanhado, umas duas folhas de sulfite dobradas em quatro. Corri os olhos, poesias toscas, conteúdo fraquíssimo. "Cinco paus? Ah, não tenho isso, não!" Falei meio envergonhado por não ter cinco pratas no bolso para colaborar com um "colega". - "Eu também sou escritor, também..." Ele não deixou eu terminar, totalmente desinteressado. "Eu aceito Cartão de Débito!". O tal livrinho quase caiu da minha mão. Mambembe? Sujo? Barbudo? Cabeludo? Poeta? Mas a maquininha maldita de cartão de crédito rápido apareceu em sua mão. "Eu.... Eu não tenho cartão de banco, amigo.... Como te disse, também sou poeta...E também..." . Tão rápido quanto aquele livrinho apareceu na minha mão ele foi retirado, quase arrancado e meu querido amigo poeta se virou de costas, pronto a dar o bote no próximo transeunte que se aproximava.

Fiquei um tempo ali parado, estático, decepcionado. Queria dizer decepcionado, mas não vou... Eu queria ter ficado ali, conversando com aquele "colega de infortúnio poético", aquele colega batalhador que afinal precisa comer e pagar as contas e tem coragem de fazer algo que não tenho: parar as pessoas nas ruas e oferecer meu trabalho. Tenho muita vergonha e nada no mundo me faz ter coragem de “mascatear”, seja para vender seguros de vida ou poesias. Mas não tive chance. Apenas tempo de perceber que o tal próximo transeunte nem sequer parou e ainda desviou do seu caminho. Ouvi um sonoro "Mão de vaca filho da puta!". Seria comigo ou com aquele que não parou? Minha vontade foi correr até aquele camarada e lhe dar uma sonora porrada. Ele não era meu companheiro, não era um poeta, apenas um comerciante. Um comerciante que tinha, aliás, um produto mal feito, mal acabado e com um conteúdo ruim (não precisava ler o livro inteiro para saber... E ele nem deixaria, claro!) Apenas um comerciante, e um mau comerciante, por sinal, que sequer sabia agradar seus clientes. Ou seja, mais um!

Por algumas centenas de metros aquela cena ficou gravada na minha cabeça e se misturava com algumas outras que eu tinha presenciado durante os últimos quarenta anos em que escrevo. Acho que pelo menos uma centena de vezes me deparei com situações como aquela, mudando o personagem, o cenário e o... produto. Sou da era do mimeografo, onde a maioria que não tinha grana produzia poesia e jornaizinhos (não "fanzines", porque "fanzine" era um termo afrescalhado americano que era conhecido e aplicado apenas pelos "artistas" mais abastados, pobres faziam mesmo era 'Jornalzinho"). E conheci atitudes prepotentes de "nobres" que faziam livros em "off-set" e diziam não "acreditar em arte pobre", não no sentido "pobre" da arte, mas no sentido do meio, do custo, da qualidade do papel. Conheci o chicote de jornalistas formados, donos de cadeiras em redações de jornais que simplesmente desprezavam trabalhos como os meus. Conheci a ira de Testemunhas de Jeová que, da mesma forma que meu "companheiro poeta" me arrancaram a "Sentinela" das mãos quando também disse que não tinha dinheiro para conhecer a palavra do seu deus. E pensei nas centenas de editoras que procurei, mandei originais e que nunca sequer me responderam ou se o fizeram, uma minoria, foi para recusar meu trabalho.

E assim, fui embora para casa, pensando sobre essas coisas, sabendo que minhas contas estão todas atrasadas, que não tenho contas em bancos e muito menos maquininha de cartão de débito, que estou com os dentes fudidos por falta de grana para o dentista, que meus dentes não são tão brancos e perfeitos quanto os do meu “amigo poeta”. Fiquei pensando que deveria pegar meus escritos, que somam um volume de mais de mil páginas de poesias e sair pelas ruas oferecendo. Fiquei pensando que o que eu preciso mesmo é arrumar um emprego decente, desses de carteira assinada, 8 as 18, com direito a trem lotado e chefete filho da puta. Fiquei pensando que, embora ganhe algum dinheiro com outras atividades, não posso ser considerado um padrão social, um padrão. Ou então começar a lamber o saco dos donos da poesia que tomaram de assalto a Casa das Rosas com seus poemas subversivos da boca pra fora, “beatniks” que cabide. Puxar o saco dos donos da arte pode ser uma boa saída se eu não conseguir arrumar um emprego decente, de carteira assinada, 8 as 6 da tarde e tal. 

Ora, ora, eu não troco minha poesia por um sanduíche nem por um copo de pinga, não vendo livrinhos amarfanhados por cinco pratas pelas esquinas do centro, não dou o rabo por um prato de comida e nem um livro por um boquete. Rimbaud virou mercenário, sim, mas quando o fez, negou e renegou sua poesia. Eu não sou francês, nem moro na Mariana, minha aposentadoria ainda demora e não tenho emprego publico garantido. E daí?  E não fosse ainda aquilo que lateja, não fosse aquilo que pulsa, a maldita necessidade de escrever poesia, feito um viciado em drogas, eu rasgaria todos os meus poemas como já fiz uma vez. Não fosse a crença na humanidade disfarçada em descrença, eu deixaria meus pensamentos guardados dentro da minha cabeça para serem queimados junto com o resto de mim quando eu morrer. 

E me ponho a pensar em Bukowski, por exemplo, com sua grande voracidade por bebida, degradação e carros de luxo, não necessariamente nesta ordem. E fico a pensar em quantos poetas por outro lado morreram pobres e ou doentes e outros a quem o mundo nunca conheceu. E fico a pensar na honestidade da poesia e do poeta, do casamento em comunhão universal de bens (ou da falta deles) que todos deveriam ter com sua arte. Fico a pensar se realmente um poeta tem que ser um bosta, pobre e fudido para ter valor reconhecido. Valor? O valor é contrário a poesia? Não, não é! Não acredito e nem posso pregar isso. Sofro com a falta de dinheiro e falo disso em minha poesia. E se um dia tiver dinheiro, vou falar da minha miséria? Claro que não, porque tenho comigo ser escravo da arte, não do dinheiro.

Poesia não se vende! Poesia, não se vende! Poesia não, se vende!

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